sexta-feira, 17 de março de 2017

A Goma Bicromatada

A Praia. Amanda Branco, 2012. Goma bicromatada sobre papel.

























Hoje retomo o tema da fotografia artesanal, trazendo uma técnica que uso bastante: a goma bicromatada, ou goma arábica. Esta prática é feita com uma emulsão fotossensível de goma arábica e dicromato de potássio. A mistura é praticamente incolor, e por isso adicionamos um pigmento - geralmente aquarela- a essa emulsão, gerando imagens monocromáticas ou policromáticas
O processo é semelhante a outras técnicas artesanais de fotografia: aplica-se a emulsão no suporte, que depois é seco e, em contato com um negativo, é exposto à luz. Apenas as partes da emulsão que receberam luz endurecem. A revelação então é feita em água, dissolvendo as partes que não receberam luz, e tornando a imagem visível.
Você pode encontrar o passo a passo no livro Fotografia Pensante, de Luiz Monforte, que eu já citei em posts anteriores, e no blog Alternativa Fotográfica.
Apesar dessas semelhanças, a goma tem o diferencial de ser especialmente passível de intervenções, possibilitando maior presença da subjetividade do artista. As manipulações diretas na imagem, juntamente com o trabalho em camadas de cor, aproxima a técnica da pintura e da gravura.
O tempo da revelação varia de acordo com o papel utilizado, com a concentração da emulsão, e também com o resultado que se deseja obter. Durante o processo da revelação, podemos usar uma esponja para limpar as áreas que desejamos deixar mais claras.
Se a proposta é uma fotografia com mais de uma cor, é preciso realizar uma nova sensibilização do papel, e depois uma nova revelação. Em uma imagem em três cores, cada cor é feita com um negativo diferente, e um novo processo de revelação. Vale lembrar que o papel precisa ser resistente para aguentar esses sucessivos banhos. Para obter uma imagem nítida, as impressões devem sair todas na mesma posição, sendo necessário fazer um registro -porém  ignorar o registro também é uma opção, caso se queira uma imagem não "encaixada".


Os três negativos usados para criar esta imagem.


Variações da série A Praia, feitas com os mesmos negativos. 
A da direita em goma bicromatada e as outras duas em
cianótipo e goma bicromatada.

















Minhas primeiras experiências com a goma. 
Bastante trabalho até conseguir uma boa revelação...











A goma é uma técnica bem difícil de fazer quando se está começando. Eu joguei muito papel fora até conseguir um resultado decente. A emulsão é espessa, o que dificulta uma aplicação razoavelmente uniforme no papel. Também a quantidade de pigmento precisa ser bem calculada, ou a imagem pode ficar muito lavada ou muito carregada, perdendo definição. Normalmente a fotografia em goma tende a ser menos definida, e por isso muitas vezes eu faço em conjunto com o cianótipo. É uma forma de conseguir trazer mais detalhe para a imagem final, já que o cianótipo costuma gerar imagens mais nítidas.
Animus. Amanda Branco, 2012. 
Goma bicromatada e cianótipo sobre papel.







Serpente. Amanda Branco, 2014. Goma bicromatada sobre papel.
















Animus. Amanda Branco, 2013. Goma bicromatada sobre papel.




















































Com todas essas variáveis, é impossível fazer duas cópias iguais de fotografia em goma bicromatada a partir do mesmo negativo. Quando comecei, eu fazia numerações nas impressões, seguindo a clássica definição para gravura em que além da assinatura o artista deve marcar o número total da tiragem e o número de série da gravura (convencionada no III Congresso das Artes em Viena, 1960). Depois cheguei à conclusão de que isso não faz sentido quando estamos trabalhando com fotografia artesanal. Cada uma das impressões é única; e eu não pretendo fazer delas uma cópia. Prefiro então marcar em todas a notação P.U. (prova única).

Serpente em Madeira. Amanda Branco, 2015. 
Goma bicromatada sobre madeira.


























Acredito que essa é a minha técnica favorita por que eu posso exibir virtuosismo em uma técnica difícil permite que eu faça um trabalho de cor, e por ser tão aberta a intervenções; e até a diferentes suportes. Já consegui fazer algumas revelações em E.V.A. e também em madeira, que é o suporte escolhido para a minha pesquisa do mestrado. Vejo muito potencial plástico na goma bicromatada, e por isso estou me aprofundando nesse processo.

quinta-feira, 2 de março de 2017

Apresentando: MAHKU

Imagem daqui:
m.facebook.com/movimentosdosartistashunikuin/


























Algum tempo atrás eu tinha a ideia de que os povos indígenas não criam arte da mesma forma que nós entendemos, em uma sociedade urbana. Sabia que eles tem uma produção estética, que pode ser maravilhosa, mas acreditava que seria algo muito inserido no dia a dia, como um objeto de uso cotidiano, ou de uso ritual; e não como um objeto cuja principal finalidade é a apreciação estética.
Mas os povos indígenas são muitos! Existem muitos povos que não conheço, ou sobre quem não tenho informações atuais. (Minha principal referência era o livro Grafismo Indígena, de Lux Vidal -organizadora, publicado em 1992. É um ótimo livro, mas pode estar desatualizado: já tem 25 anos!)
Então, para mostrar que essa idéia estava equivocada, hoje quero falar um pouco sobre o MAHKU - Movimento dos Artistas Huni Kuin, citados no post Por Uma Arte Mais Diversa. Os Huni Kuin são um povo indígena localizados na fronteira do Acre com o Peru. O movimento começou com Ibã Huni Kuin, que foi para a cidade cursar o magistério e, ao concluir o curso, recebeu de seus professores a missão de escrever os conhecimentos de seu povo. Ele foi buscar informações de seu pai, e das pessoas mais velhas. Começou então a registrar na língua escrita o que antes era conhecimento oral. Estava assim resgatando elementos da sua cultura que estavam se perdendo: os cantos de ayahuaska, que escreveu na língua Huni Kuin; os mitos, e a própria língua Huni Kuin. Os jovens estavam se afastando desse conhecimento, e ele foi resgatar saberes ancestrais do seu povo. É um trabalho de inestimável valor, para os Huni Kuin e para a humanidade!
Esse resgate dos cantos virou um livro, Espírito da Floresta, além de material didático e também CD.
Depois, juntamente com seus alunos, Ibã começou a traduzir para o desenho os cantos do Espírito da Floresta. Seu objetivo é transmitir esse conhecimento tanto para suas crianças quanto para os povos não indígenas.
Imagem daqui: http://nixi-pae1.blogspot.com.br 





































Em 2011, com uma pequena ajuda da lei de incentivo à cultura começou a promover encontros com os artistas indígenas da aldeia Mae Bena no alto rio Tarauacá. Produziram um pequeno filme, e posteriormente apresentaram seu trabalho em uma exposição em Rio Branco, juntamente com apresentação musical. Agora o grupo segue com a missão de continuar resgatando e promovendo esses conhecimentos através da arte, em um trabalho contínuo.
Imagem daqui:
m.facebook.com/movimentosdosartistashunikuin/


























Observando esses desenhos, percebo uma grande diferença da produção visual indígena que pesquisei na época da faculdade. Vale lembrar que eram outras outras etnias, mas o que eu via era que quase não se fazia figuração; eram na sua maioria grafismos com alto grau de abstração.
Perguntei sobre isso ao grupo, na página deles no Facebook, e o Amilton me relatou que desde o século XIX eles começaram a ter contato com o branco, e assim tiveram acesso a materiais como papel e lápis, e desde a década de 70 começou um movimento de escolarização pelo Estado. Então desde aquela época eles começaram a fazer o uso das imagens desenhadas, chamadas dami. "Com o MAHKU é a primeira vez que se tem notícia de um movimento na direção de tratar temas tradicionais usando a linguagem do desenho e da pintura e de fazer disso uma expressão artística com uma cara huni kuin, com uma proposta de arte huni kuin que articula o tradicional com o contemporâneo; se o MAHKU não inventa os desenhos dami, ele se apropria deles e faz um uso cultural e artístico inédito" (trecho do relato do Amilton, que eu não poderia explicar melhor!)
Se antes havia a pintura de grafismos na pele, agora também fazem pintura na tela e na parede, misturando os dami e grafismos. Ainda não vi ao vivo essas pinturas na parede. Pelas fotos, parecem impressionantes, algo que envolve o espectador, e o transporta para um outro lugar, repleto de seres da natureza e grafismos hipnóticos.
imagem daqui: 
m.facebook.com/movimentosdosartistashunikuin/


























imagem daqui: 
m.facebook.com/movimentosdosartistashunikuin/


























Em diversos desenhos a representação do mundo é fluida, flutuante, psicodélica. Acredito que em parte pela influência do ayahuasca, bebida hipnótica usada por eles. Mas também demonstra uma visão diferente de mundo, em que a representação do espaço segue regras próprias.
Para conhecer mais, confira o blog Espírito da Floresta, em que eles publicam os próprios trabalhos, e a sua página no Facebook
Também podemos ver alguns desenhos deles na exposição Avenida Paulista, no Masp, que vai até 28/5. Os desenhos que integram a exposição foram criados a partir das primeiras impressões que os artistas do movimento tiveram da cidade de São Paulo, em sua visita em 2016. É um olhar “estrangeiro” sobre a cidade, mostrando uma Avenida Paulista habitada por carros e prédios. É uma boa oportunidade para ver uma amostra do trabalho deles, mas ainda quero conhecer mais!
Dami. (Avenida Paulista). Ibã Huni Kuin e Mana Huni Kuin. 
Acrílica sobre tela, 2017.