Algum tempo atrás eu tinha a ideia de que os povos indígenas não criam arte da mesma forma que nós entendemos, em uma sociedade urbana. Sabia que eles tem uma produção estética, que pode ser maravilhosa, mas acreditava que seria algo muito inserido no dia a dia, como um objeto de uso cotidiano, ou de uso ritual; e não como um objeto cuja principal finalidade é a apreciação estética.
Mas os povos indígenas são muitos! Existem muitos povos que não conheço, ou sobre quem não tenho informações atuais. (Minha principal referência era o livro Grafismo Indígena, de Lux Vidal -organizadora, publicado em 1992. É um ótimo livro, mas pode estar desatualizado: já tem 25 anos!)
Então, para mostrar que essa idéia estava equivocada, hoje quero falar um pouco sobre o MAHKU - Movimento dos Artistas Huni Kuin, citados no post Por Uma Arte Mais Diversa. Os Huni Kuin são um povo indígena localizados na fronteira do Acre com o Peru. O movimento começou com Ibã Huni Kuin, que foi para a cidade cursar o magistério e, ao concluir o curso, recebeu de seus professores a missão de escrever os conhecimentos de seu povo. Ele foi buscar informações de seu pai, e das pessoas mais velhas. Começou então a registrar na língua escrita o que antes era conhecimento oral. Estava assim resgatando elementos da sua cultura que estavam se perdendo: os cantos de ayahuaska, que escreveu na língua Huni Kuin; os mitos, e a própria língua Huni Kuin. Os jovens estavam se afastando desse conhecimento, e ele foi resgatar saberes ancestrais do seu povo. É um trabalho de inestimável valor, para os Huni Kuin e para a humanidade!
Esse resgate dos cantos virou um livro, Espírito da Floresta, além de material didático e também CD.
Depois, juntamente com seus alunos, Ibã começou a traduzir para o desenho os cantos do Espírito da Floresta. Seu objetivo é transmitir esse conhecimento tanto para suas crianças quanto para os povos não indígenas.
Imagem daqui: http://nixi-pae1.blogspot.com.br |
Em 2011, com uma pequena ajuda da lei de incentivo à cultura começou a promover encontros com os artistas indígenas da aldeia Mae Bena no alto rio Tarauacá. Produziram um pequeno filme, e posteriormente apresentaram seu trabalho em uma exposição em Rio Branco, juntamente com apresentação musical. Agora o grupo segue com a missão de continuar resgatando e promovendo esses conhecimentos através da arte, em um trabalho contínuo.
Imagem daqui:
m.facebook.com/movimentosdosartistashunikuin/
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Observando esses desenhos, percebo uma grande diferença da produção visual indígena que pesquisei na época da faculdade. Vale lembrar que eram outras outras etnias, mas o que eu via era que quase não se fazia figuração; eram na sua maioria grafismos com alto grau de abstração.
Perguntei sobre isso ao grupo, na página deles no Facebook, e o Amilton me relatou que desde o século XIX eles começaram a ter contato com o branco, e assim tiveram acesso a materiais como papel e lápis, e desde a década de 70 começou um movimento de escolarização pelo Estado. Então desde aquela época eles começaram a fazer o uso das imagens desenhadas, chamadas dami. "Com o MAHKU é a primeira vez que se tem notícia de um movimento na direção de tratar temas tradicionais usando a linguagem do desenho e da pintura e de fazer disso uma expressão artística com uma cara huni kuin, com uma proposta de arte huni kuin que articula o tradicional com o contemporâneo; se o MAHKU não inventa os desenhos dami, ele se apropria deles e faz um uso cultural e artístico inédito" (trecho do relato do Amilton, que eu não poderia explicar melhor!)
Se antes havia a pintura de grafismos na pele, agora também fazem pintura na tela e na parede, misturando os dami e grafismos. Ainda não vi ao vivo essas pinturas na parede. Pelas fotos, parecem impressionantes, algo que envolve o espectador, e o transporta para um outro lugar, repleto de seres da natureza e grafismos hipnóticos.
imagem daqui:
m.facebook.com/movimentosdosartistashunikuin/
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Em diversos desenhos a representação do mundo é fluida, flutuante, psicodélica. Acredito que em parte pela influência do ayahuasca, bebida hipnótica usada por eles. Mas também demonstra uma visão diferente de mundo, em que a representação do espaço segue regras próprias.
Para conhecer mais, confira o blog Espírito da Floresta, em que eles publicam os próprios trabalhos, e a sua página no Facebook:
Também podemos ver alguns desenhos deles na exposição Avenida Paulista, no Masp, que vai até 28/5. Os desenhos que integram a exposição foram criados a partir das primeiras impressões que os artistas do movimento tiveram da cidade de São Paulo, em sua visita em 2016. É um olhar “estrangeiro” sobre a cidade, mostrando uma Avenida Paulista habitada por carros e prédios. É uma boa oportunidade para ver uma amostra do trabalho deles, mas ainda quero conhecer mais!
Dami. (Avenida Paulista). Ibã Huni Kuin e Mana Huni Kuin.
Acrílica sobre tela, 2017.
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