terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Nudez na minha produção


Serpente IV, Amanda Branco. Van Dyck Brown sobre algodão. 
2009




Neste momento abordar o tema da nudez em arte é bastante necessário, para não nos perdermos em extremismos. O post anterior foi pouco divulgado no Facebook, e quando tentei impulsionar a publicação na minha page, o anúncio não foi autorizado, porque não são permitidos anúncios contendo nudez, mesmo que seja artística. A imagem que aparecia nesse post no Facebook é aquele detalhe do teto da Capela Sistina. Ou seja, uma imagem que está exibida dentro de uma igreja foi censurada pelo Facebook! Entendo a procupação de se querer evitar pornografia na rede social, mas também acredito que as coisas não precisam ser assim extremas! Existe muito sobre nudez além da pornografia.

Então, continuando a série sobre nudez nas artes, vou abordar um pouco sobre a minha própria produção. Espero conseguir mostrar porque esse tema é tão importante para mim.
Religare VII, Amanda Branco. Goma Bicromatada sobre madeira. 2017



















Para começar, a arte muitas vezes usa linguagens simbólicas e alegorias. A imagem de uma pessoa nua não precisa ser entendida de forma literal. A nudez pode evocar sensações e idéias que compõe uma poética, o que é um motivo para aparecer na arte em diferentes contextos.

Nudez caracteriza-se como a ausência de roupas. A roupa é social: é algo que escolhemos mostrar ao outro que nos olha. Pode trazer informações sobre cultura, etnia, status, idade, personalidade... E em geral é pautada pelo gênero, mas isso atualmente está sendo questionado por algumas pessoas.

Já o corpo nu está desprotegido, tanto do frio quanto do olhar alheio. Pode então transmitir a sensação de vulnerabilidade, ou de empoderamento, dependendo de como é retratado. Nas minhas fotografias, busco uma imagem mais próxima da "essência" da pessoa, do que o corpo coberto com camadas de tecido, que podem funcionar como uma máscara. Ao vermos uma pessoa nua, a pessoa se sobressai, ficando seu status social, sua localização geográfica etc em segundo plano... É como se estivéssemos visualizando o ser humano que está muitas vezes escondido sob camadas de cultura. A nudez aparece como estar despido de tudo o que não faz parte de sua natureza, de tudo o que é socialmente construído.

Aqui pode haver uma aparente contradição: nas minhas fotografias o corpo aparece coberto por grafismos, pinturas corporais. Para algumas pessoas isso pode ser percebido como uma roupa, como o que foi escolhido mostrar. Porém, em uma sociedade como a nossa, não seria um traje aceitável para se usar em locais públicos. Não esconde o que as roupas costumam cobrir, então ainda conserva boa parte da característica da nudez. Esta aparece como escolha poética, como uma tentativa de lembrar que somos muito mais do que o que nossas roupas mostram.

Animus V, Amanda Branco. Cianótipo e Goma
Bicromatada 
sobre papel. 2012


























Emacipação, Amanda Branco. Acrílica sobre tela. 2016

























Religare VI, Amanda Branco.
Goma Bicromatada sobre 
madeira. 2017

Serpente IX, Amanda Branco. Van Dyck Brown sobre papel. 2009


segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

A Nudez na Arte e Nudes Pré-Históricos

Detalhe do teto da Capela Sistina - Estado do Vaticano, 1508-1512.
Afresco de Michelangelo. Imagem daqui:
https://www.thevintagenews.com/2016/06/08/44775-2/





















Semana passada recebi a notícia do Projeto de Lei 8740/17 em tramitação que visa criminalizar a representação de órgãos genitais em obras de arte. Isso é no mínimo estranho considerando séculos de história da arte, em que pinturas de nus aparecem até mesmo no interior de igrejas. Faz sentido criminalizar o acervo de diversos museus?? A justificativa para esse projeto de lei foram as polêmicas ocorridas em 2017, envolvendo a exposição “Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”, realizada no Centro Cultural Santander, em Porto Alegre (RS); e a performance “La Bête”, de Wagner Schwartz, realizada no MAM. Houve diversas críticas ao fato da exposição Queermuseu ter sido visitada por escolas, e pelo fato de uma criança ter interagindo com o artista nu na performance “La Bête”, tocando o seu pé e a sua mão, o que levou a acusações de pedofilia.

A questão da nudez na arte e a erotização de crianças tem milhares de tons entre o preto e o branco... tantas variáveis! Eu absolutamente não defendo a erotização infantil.
Para começar, nem toda obra de arte precisa ser feita para crianças. A arte pode tratar de temas mais pesados, como guerra e violência, e se isso for inapropriado para crianças, não significa que o assunto não deva ser abordado. É o caso de se adotar um aviso com indicação de faixa etária na entrada da exposição, por exemplo. E então, sabendo do conteúdo, os pais ou responsáveis podem decidir se levam a criança a essa exposição.

Também é importante ressaltar que abordar temas pesados não significa fazer apologia. O tema pode ser criticado também. Mas proibir um assunto é uma forma de ignorar o problema, e evitar que seja feito algo a respeito. Não ajuda.

Mas a minha principal motivação nesse tema é: a nudez não é apenas sobre sexo e erotização (e também vale dizer, uma imagem pode ser altamente erotizada mesmo sem apresentar nudez). A nudez tem muitos contextos. Na História da Arte, aquela oficial dos livros de história, vemos nus desde a Antiguidade Clássica, passando pelo Renascimento, incluindo pinturas de homens e mulheres nus, e anjinhos com aspecto de crianças... E prossegue, em pinturas do Realismo, em fotografias, na Arte Moderna... e na Arte Contemporânea também não é diferente.

Pensando nisso, decidi fazer uma série de posts com o tema nudez na Arte, mostrando diferentes contextos culturais e possivelmente diferentes aspirações para essas representações. "Arte" aqui aparece no sentido mais amplo, incluindo produções imagéticas ou plásticas de outros períodos e povos que não necessariamente consideravam o que produzem como "arte", mas que hoje entendemos como uma produção cultural, como é caso das pinturas rupestres. Neste primeiro post apresentarei brevemente algumas representações pré-históricas.


Nudes Pré-Históricos 

A imagem da nudez é possivelmente tão antiga quanto a própria representação da figura humana. Uma das primeiras representações humanas que se tem notícia é a Vênus de Hohle Fels ou Vênus Impudica, encontrada na Alemanha, e que data de pelo menos 35 mil anos atrás. A estatueta tem 6 x 3,5 cm e apresenta os caracteres sexuais enfatizados: seios, nadegas e genitália destacados. No lugar da cabeça há apenas uma espécie de gancho, sugerindo que a peça seria usada como pingente. Especula-se que a estatueta esteja associada à busca por fertilidade, o que para povos do Paleolítico Superior seria uma questão crucial relacionada à sobrevivência do grupo.
Vênus de Hohle Fehls. Imagem daqui: 
https://www.thevintagenews.com/2016/06/08/44775-2/




















Um pouco mais conhecida que a Vênus de Hohle Fels é a Vênus de Willendorf, encontrada na Áustria, e que data de 22.000 a 24.000 anos atrás. Representa uma mulher com o ventre grande e redondo, e seios enormes. Esta imagem também parece celebrar a fertilidade, representando uma mulher grávida ou gorda. As Vênus são estatuetas bastante estilizadas, priorizando o que, no contexto em que foram feitas, era o mais importante.
Vênus de Willendorf. Imagem daqui: 
http://www.kenneymencher.com/2016/09/
why-is-venus-of-willendorfso-important.html






















Um pouco mais recentes, as pinturas rupestres do Parque Nacional da Serra da Capivara -PI datam entre 12.000 e 6.000 anos atrás. Esses homens pintados também são bastante estilizados, e aparecem com o pênis erguido. Infelizmente, não encontrei estudos sobre o motivo de aparecem assim. Quando se trata de pré-história, os significado e motivações das representações é em geral especulativo, baseado nos indícios que são encontrados. Aqui no mínimo temos a informação de que se trata da representação do sexo masculino.
Pinturas rupestres do Parque Nacional da Serra da Capivara
Imagem daqui: http://atlantablackstar.com/2014/07/31/5-pieces-
of-evidence-that-show-black-people-were-the-first-in-the-americas/3/



















 
Pinturas rupestres do Parque Nacional da Serra da Capivara
imagem daqui: https://www.viajenaviagem.com/2013/10
/vnvbrasil-serra-da-capivara-senta-que-la-vem-pre-historia/

















Para saber mais sobre essas obras pré-históricas, confira: 

https://vimeo.com/64601937
https://youtu.be/Y8noVoCsYGs
http://www.nytimes.com/2009/05/14/science/14venus.html
http://oridesmjr.blogspot.com.br/2013/09/arte-rupestre-do-brasil-tradicao.html

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Fotografias em Dégradé

Árvores com degradé vertical.

Nas últimas semanas eu postei no Instagram alguns exercícios que tenho feito usando goma bicromatada. A ideia era criar imagens com mais de uma cor, com apenas um negativo. Na hora de aplicar a emulsão no papel, criei um degradê do vermelho ao verde. É difícil fazer mesclas durante a aplicação da goma no papel, mas acredito que com um pouco mais de prática isso deve fluir melhor. 

Na próxima vez haverá mais registros do processo. Muitas vezes eu estou absorta na criação e esqueço de fazer os registros, mas eles são importantes. Dessa vez eu só lembrei de pedir ao Aldrin para filmar uma das revelações, que foi o vídeo postado no Instagram. 

Praia com degradé vertical

Gostei especialmente do resultado desta imagem da árvore na praia. Parece que as cores separam os planos da imagem. Também remete às fotografias analógicas em que houve um vazamento de luz, o que ocasionava manchas geralmente avermelhadas. Nas imagens que revelei, as áreas vermelhas passam a sensação de um dia muito ensolarado, de um excesso de luz, como o que provocaria um vazamento de luz nas fotografias tradicionais.

Os resultados foram bastante animadores, mostrando um potencial criativo. Quero explorar mais essa técnica, e seguir diluindo as fronteiras entre a goma bicromatada e a pintura.

Da série Serpente, com degradé horizontal.

Da série Serpente, com degradé vertical.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Como Revelar Gomas Gigantes


Para revelar uma goma gigante você vai precisar de:
- um negativo gigante;
- um suporte gigante;
- uma mesa de luz gigante luz solar;
- uma placa gigante de acrílico transparente;
- goma arábica;
- dicromato;
- pigmentos - bastante!;
- espatula de misturar tintas;
- bandeja de pintar parede;
- pincel largo;
- secador de cabelos;
- tecidos- podem ser toalhas ou panos de chão;
- mangueira.

As imagens da série Religare tem grandes dimensões, chegando a 1m x 1,60m. O tamanho das imagens foi um desafio, e com alguma persistência, consegui revelar. A técnica foi adaptada para a revelação sobre madeira e em grande escala.

Para começar -depois de ter realizado o ensaio- foi necessário imprimir o negativo. Encontrei na Galeria do Roc uma loja que faz a impressão de fotolitos por metro, e assim pude fazer o negativo gigante. O primeiro ficou no tamanho de 88 cm x 150cm, um pouco menor que a placa de compensado usada como suporte.


















Depois procurei a melhor forma de aplicar a emulsão na madeira. Cheguei à conclusão de usar uma bandeja de pintar parede e um pincel bem largo.

Notem também que eu estava trabalhando de luvas sempre. 
Os químico de fotografia podem ser bastante tóxicos...
É sempre necessário ter cuidado.


















Então era necessário secar completamente a emulsão, com um secador de cabelos, para fazer a exposição à luz. E não funciona preparar o suporte na véspera. Se demorar muito para fazer a revelação, a goma endurece e não abre as luzes. Pra funcionar bem, precisa fazer a aplicação da emulsão e a exposição à luz no mesmo dia.

Secando com secador de cabelos















Na exposição à luz, substituí a placa de vidro por uma placa de acrílico, por que é um material seria mais leve e mais seguro de manusear. Mesmo assim, era uma placa bem pesada! Achei que não ia conseguir carregá-la, mas fui encontrando um jeitinho e acabou funcionando. Fiz a minha placa tem 8mm de espessura com receio de que se fosse mais fina correria o risco de empenar. Mas acredito que daria para fazer a placa um pouco mais fina para deixar ela mais leve.















Para a revelação em água, eu não tinha uma bandeja gigante, então usei compressas para amolecer a goma.

















Por fim, o banho de água corrente foi feito com mangueira.





Enfim, foi um processo bastante experimental,  com tentativas e erros, que alcançou resultados positivos. Essa parte de inventar a técnica é importante para o processo criativo. No mínimo, mostra que o artista não precisa se manter dentro de tecnicas e formatos preexistentes para criar. É possível transcender estes formatos.